Tudo isto é Fado

domingo, outubro 16, 2005

O mar e a paciência

Gosto muito do mar. Tanto que chego a identificar-me com ele e a ter inveja da sua força e da sua invencibilidade.
Hoje estava com as minhas dores de cabeça e fui ver o mar. Uma vez mais a atracção surgiu de forma inevitável.
Pensei em como o mar é multifacetado e a sua diversidade tão bem se aplica aos diversos estados de alma, pelo menos aos meus.
Paradoxalmente adoro ver o mar zangado tipo leoa ferida que luta pelo seu filhote. Mesmo todo revolto e cinzento a sensação de liberdade é indescritível, e aí eu invejo-o pois ele tem essa possibilidade que a mim raramente me é dada: reagir e vencer! Ainda que cinzento, ainda que parecendo gemer e ao mesmo tempo gritar é como se ele lutasse pela vida com a energia que, por vezes, me falta embora eu revele alguns laivos, mas que não passam disso.
Também gosto do mar calmo quando se veste de azul. Aí ele é carinhoso, sensual, delicado capaz de se envolver e de nos envolver de forma completa e absoluta e faz-nos sentir a vida de forma muito intensa.
Gosto de o ver assim, gosto de me meter nas suas águas e senti-lo, de me desnudar e sentir em todo o meu corpo a frescura da sua água e firmeza do seu contacto, é como que um sussurro a dizer-nos que é bom estarmos vivos, que é bom viver a vida. E é nessas alturas que me fico a observar o pôr do sol no mar. É muito bonito é como se o sol devagarinho se fosse encolhendo no colo do mar, como que pedindo: "- deixa-me aportar e descansar um pouco!". E ao mesmo tempo é como se o mar lhe respondesse: "- Vem, dorme sossegado que eu velarei por ti!"
Depois por vezes veste-se de verde, e gosto muito de olhá-lo e brincar com ele nessas ocasiões, pois fica tão transparente que podemos observar a areia branca e fina. Nessas alturas ele parece-me alguém muito sábio, alguém que teve a paciência de viver e aprender com a vida. Talvez por isso sinto-me muito pequenita perto de tamanha sabedoria e de tão grande beleza. Jamais serei uma pessoa sábia a minha emotividade irá sempre impedir-me de racionalizar as coisas, por isso invejo o mar, ele é paciente e ensina a sua lição de vida transmitindo-a a quem o quiser ouvir entender e sobretudo olhá-lo nos mistérios da sua profundeza.
Não sou paciente, aliás, durante anos ensinaram-me que a paciência era uma virtude e uma qualidade a desenvolver. Detenho-me a meditar sobre o que é ter paciência e em que moldes a palavra é usada e então verifico que nem é virtude, nem tão pouco qualidade a desenvolver. Pergunto-me quais os motivos que levam as pessoas a usá-la e fico perplexa com as descobertas. Quando um filho se porta mal e de alguma forma nos envergonha a cara, na generalidade, as pessoas dizem : " Tem que ter paciência!" Se um pobre nos pede uma esmola e não nos disponibilizamos para lha dar, não raramente, usamos a expressão. " Tenha paciência!" Quando nos morre alguém, que era precioso para nós, quantas e quantas pessoas nos dizem que a única solução é resignarmo-nos usando a famigerada expressão. " Tenha paciência" ou ainda quando de alguma forma nos vemos limitados nas nossas capacidades físicas há sempre alguém que, para nos consolar, nos receita a tão famosa expressão " Tenha paciência, podia ser bem pior!"
Pois bem, depois de tanta paciência, de ter feito da minha vida um exercício de paciência e de ter tentado desenvolvê-la de forma abissal acabei por perdê-la por inteiro ao dar-me conta que a paciência é usada, a maioria das vezes, em casos sem solução, em situações em que nada havendo a fazer se clama pela paciência para preencher o vazio de um desejo que se orienta para um qualquer sentido, dada a incapacidade de resolver os problemas sérios e graves que a vida nos apresenta.
Por isso tudo eu amo o mar porque ele tem as duas facetas ora é paciente e se ri até dos que duvidam da sua força ou então fica tão enraivecido que a única solução é deixá-lo beber a sua própria ira e aqui para nós, que ninguém nos ouve, haverá coisa melhor do que expressar a ira, a revolta e a raiva que cá vai dentro de nós?

1 Comments:

  • At 11:23 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Acho a vida uma coisa maravilhosa e a minha não tem sido nada fácil. Mais que tudo temos que ser nós a enfrentá-la sem compaixão de nós mesmos e acreditando na sabedoria popular " não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe". O mar é lindo, o sol é lindo, as flores são lindas, os pássaros são lindos... Tanta coisa bonita e tu a valorizares o que é mau. Levanta a cabeça e ouve o teu coração falar.Acredita em ti e nos outros porque nem todos são maus. Ama-te e aprende a amar os outros. Beijito

     

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